Dom Pepe Mujica: crenças para o milênio

Em sua passagem por Curitiba, na manhã de uma quarta feira, dia 27 de julho de 2016, o ex Presidente Uruguaio fez levitar, com suas palavras, a alma de quase quatro mil pessoas ou mesmo o dobro disso, se contarmos os que acompanharam sua fala pela internet ao vivo. O evento ocorreu no ginásio do Circulo Militar e foi organizado pelo Laboratório de Cultura Digital da UFPR, visando testar novo sítio eletrônico. Esse é destinado a debater informação e democracia. A sua denominação, Plataforma Delibera, propõe manter um fórum de debates e de dados para a sociedade, abrangendo diversos temas e setores de gestão, tanto pública como privada, desde que interesse à comunidade de forma relevante ou que afete o dia a dia dos cidadãos, no cotidiano de cada pessoa ou visitante do Novo Portal.
O primeiro ponto marcante, na fala simples desse homem, é responsabilizar diretamente quem o ouve, a todos nós enfim, para que realizemos na prática as mudanças que se fazem necessárias para adequar este cenário contemporâneo. É ilusão pensar em mudar economia produtiva ou concentração de renda se não mudar a cultura dos próprios consumidores e trabalhadores que somos todos nós, diz ele: “somos nós que praticamos o cotidiano no planeta, a ponto de vender anos de nossa vida, de renunciar à paz feliz do dia a dia, para pagar prestações de uma só compra exagerada, por forte impulso, na falsa crença de que irá se possuir algo valioso ou uma posição mais elevada do que os outros devido a ter algo a mais”  

De acordo com ele, embora tenhamos herdado civilização construída por atos dominadores e de força, cujo comportamento sempre manipula pessoas para acumular riquezas mediante centralização de saber e concentração de poder, nossas consciência e conduta, em grupos ou individualmente, podem mudar isso e alterar esse comportamento. Basta não permitir mais que esse velho passado imperial nos esmague. Basta não se vender pelas promessas falsas dessa civilização passada e criar uma nova civilização, com mais livre arbítrio, numa conduta coletiva que não mais se vende por vaidades inglórias. Assim, juntos e a partir de nossas atitudes, pode se mudar o mundo. Basta escolher ser livre em vez de escravos afundados em contas devidas ao nosso consumismo de bens ou mitos. Ou por nossa acomodação frente a esses velhos valores. “Passemos a ser donos e jamais escravos do nosso próprio tempo e da vida que nos rodeia. A luta é por outra civilização que não esta, é por democracia e não por vingança. É para construir e para libertar a alma de certas amarras inúteis, libertar não só oprimidos mas os escravos agentes dessa opressão subjetiva que herdamos dentro de nós. A mudança inicia quando nos negamos a comprar algo em troca de nosso tempo para pagar um preço descabido. Nem um bem ou vantagem comprada vale o tempo que uma pessoa necessita ter para ser feliz, amar, sonhar e conviver com quem gosta, de forma livre e intensa.

Outro ponto marcante de Dom Pepe é sua doce chamada, dirigida a todos os seres humanos de boa vontade, para que juntos plantemos e criemos essa Nova Civilização, cuja gestão já vem em formato muito democrático e solidário na cabeça dele. Porém alerta que a democracia não é para ser perfeita. Pois perfeição é um pressuposto absolutista. Até as repúblicas vêm mantendo um padrão imperial e absoluto. Mas é a conduta cultural da sociedade quem irá ao fim romper com isso, para fundar a nova civilização, que respeita diferenças entre países e entre cidades e entre bairros e entre pessoas. O pensamento heterogêneo é valioso. O que há e que herdamos ainda é uma visão aristocrática do certo e errado, belo e feio. Nessa ótica o tal do crescimento econômico é contra a felicidade humana. Enriquece chefes hierárquicos do sistema produtivo e flagela consumidores, lhes tirando o tempo de desfrutar a vida como ela é e vem, sem comprar ou pagar preço pelos prazeres da terra. Viver e conviver com várias diferenças e diversidades do planeta é saída para não cair na velha armadilha do totalitarismo imperial, que nos impõe padrões únicos, sem os quais nenhuma pessoa poderá ser feliz, caso não se submeta e não parta para adquirir esse padrão, pagando-lhe bom preço. A unidade latino-americana, por isso, não é importante. Mas a diversidade de povos e de culturas nelas é preciosa. Pois não está padronizada, nem mesmo dentro de cada nação ou cidade.
Por último ele lembra que não há problemas ecológicos ou socioeconômicos no mundo. Há sim problemas políticos, para lidar com o planeta e as populações simples que nele habitam. Desse modo Dom Pepe insinua que até as problematizações trazem um padrão já imposto pela visão imperial de mercado, nestes nossos tempos. Esses rótulos escondem o problema que é como transformar essas populações em consumidores imbecis e vorazes dos recursos ainda em oferta no planeta, num processo insustentável, que só serviria para acumular riquezas e concentrar poderes, os centralizando nas megacidades tecnológicas mundiais. Assim o ser humano se reduz a um número estatístico, um ser padronizado e catalogado para receber certo produto, a maioria das vezes sendo predatória a mercadoria, como desnecessária à vida.

Esse homem simples finaliza ao afirmar que os problemas estão nessa política praticada por uma civilização ainda imperial, herdada por nós, mas que também está na política sua solução. Como? Mudando o pensamento de dentro para fora nos indivíduos, de comunidades diversas, criando assim a nova cultura, de comportamento não conformista e não consumista, portanto não submisso. Essa mudança é para alterar a civilização e todo seu aparato, até mesmo esse modo imperial de se agir e pensar na tecnologia e no mundo virtual das redes sociais. O que irá caracterizar essa mudança do pensamento humano? 

Segundo ele, se trata de tirar a ideia de terra prometida existente na cabeça para se amar o próprio caminho, na direção do futuro, do prazer de se existir e da vida como forma mais simples e direta desse existir. A luta e o caminho são, enfim, por uma humanidade com outros novos valores, sem essa matriz imperial de tais religiosidades e economias, que possuem sentido acumulador e concentrador. Essa é matriz que escraviza o saber, a ciência, a tecnologia o planeta, o DNA, a água e até o prazer de viver. Até animais não domesticados e não comestíveis conseguem ainda ser mais felizes do que o homem hoje, porque sua cultura existencial não foi formatada e modelada desde essa visão imperial. 

Essa Nova Civilização, de que falamos e queremos, passa pela educação nas casas, em coerência e em coesãp com a educação social, no seu desenvolvimento linguístico, técnico e criativo da felicidade, através de objetos ou bens de desfrute ou consumo que não mais se tornem em “produtos de mercado” mas voltados a distribuição mais justa e livre, sob novos fundamentos de trocas e mercancias. Esses novos formatos terão ainda que ser reinventados, desde feiras quase medievas, porém desta feita direcionados à felicidade, à solidariedade e à liberdade humanas.

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